quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

À conversa com Helena Filas Afonso

A Eucleia orgulha-se de ter editado, sob a sua chancela Liríope, uma autora tão carismática com Helena Filas Afonso («Os Nomes do Frio»). É um verdadeiro prazer ouvi-la: tem - sem sombra de dúvida - o dom da comunicação e o dom da palavra. Para que os nossos (seus) leitores a possam conhecer um bocadinho melhor, fizemos-lhe um convite inesperado ao qual acedeu com a generosidade com que se deixa embalar numa boa conversa e com que rasga um sorriso. O que se segue, diríamos que é uma conversa à lareira e bem quentinha: à Helena agradecemos as palavras e a simpatia e aos nossos leitores só podemos recomendar que descubram este livro e esta autora.



Eucleia: Para quem não a conhece, aqui fica o desafio: como é que a Helena se apresenta enquanto escritora? E enquanto leitora, quais as suas referências mais marcantes e as suas preferências?
Helena Filas Afonso: Enquanto escritora interessa-me não inventar, interessa-me fixar o pouco, o excesso, o absurdo, afinal o normal despido de adereços.
Não sei a que linhagem pertencerá o que escrevo, para que fontes remete. Faço por não envergonhar os livros que me encantaram, mas é tarefa difícil e muito exigente.
É difícil falar em referências marcantes e preferências.
Simplificando, vou apenas mencionar alguns que me “desconformaram”: Rui Cinatti, Botto, O’Neill, Ruy Belo, Nuno Bragança, Luiz Pacheco, Cervantes, Clarice Lispector, Tchéchov, Shakespeare, Prévert, Keats, Woodsworth, Boris Vian, Bukowski, Carver, Edgar Allan Poe, José Angel Valente, Cinthia Ozsik, Danill Harms, Beckett, Kipling…tanto homem e faltam ainda tantos e tantas!
Antes de tudo, que para mim não foi o início mas é para sempre, temos os gregos e os romanos. Maravilham os seus textos e nunca mais os largamos! O Génio está todo lá! É impossível que não marquem a ferro quem os lê.
Mark Twain, Graham Greene, Françoise Sagan, Patricia Higthsmith, Bernard Shaw, foram influências marcantes, mas faltam outros…tenho a certeza que faltam outros…..
Descobertas de final de Séc XX, princípio de Sec XXI: Philip Roth e Coetzee.
Livro que mais demorei a ler porque estava tão bem escrito que ultrapassar as primeiras quarenta páginas foi um suplício maravilhoso: «Moby Dick», de Melville.
Entretanto já me dei conta que não referi Saramago, nem Gil Vicente ou Pirandello…isto deixa-me muito inquieta….


A Helena tem formação em direito. Qual o papel da escrita na sua vida?
Escrevo desde muito nova (onde é que já ouvimos isto?).
Comecei com a poesia e com ela continuei sempre. A prosa veio muito mais tarde, embora tenha escrito um conto por volta dos 12, 13 anos, de que me lembro ainda do título: “Rosa Maria Pencuda”. Só aos trinta e tal anos as tentativas na prosa resultaram em algo acabado. As tentativas foram sempre no formato curto do conto.
A formação em direito fi-la sempre com a companhia de outros livros que não apenas os de direito. Essenciais à minha sobrevivência, os outros livros que não os de direito. E importantes para a formação humanista em qualquer escolha vocacional. Nessa altura continuei a escrever poesia e tentativas de prosa inacabadas, confusas, mal escritas.
A escrita sempre me acompanhou e me defendeu. A sua falta desequilibra-me e a sua permanência desequilibra-me também mas de uma maneira mais suportável. Escrever consome energias vorazmente mas dá-nos umas lentes por onde olhar este mundo desajeitado. Não sei porquê, mas aceitei este trato, o que não tem nada a ver com a recepção que o livro de contos possa ter.

Ao escrever fá-lo: por si, para si, ou para quem a vai ler?
Escrever, independentemente de eu o fazer, e de o fazer bem ou mal, exige essencialmente liberdade. Claro que há outros factores, claro, o talento, a técnica, a bagagem, etc, mas tudo isto sem liberdade não dá coisa muito boa. Portanto, quando se escreve não há qualquer mentor que não seja a ditadura da história que se quer contar com as palavras que surgem umas sabe-se lá de onde, bem-vindas palavras de inspiração, e outras de muito trabalho.
Ao escrever não penso nunca no outro e nem em mim. A história supostamente soberana, a música interna das palavras, a composição das letras, as personagens, levam-me a caminhos às vezes bem estranhos, exigentes, contraditórios, e não se pode pensar em nós próprios ou em quem quer que seja, sob pena de quebrar o fio mágico. Depois do poisio a que fica sujeito o texto escrito volto a ele e releio e às vezes reconstruo. Às vezes destruo. Nessa fase penso: é isto que eu queria, é isto que quero? No leitor pensa-se eventualmente quando se escolhem os textos para formar um livro para publicação…talvez, não tenho a certeza.
Em conclusão, não escrevo para mim nem para os outros. Devo escrever por mim, se não por que o faria?


Numa palavra, como descreve este seu livro de contos?
A esta pergunta não sei responder, mas se Aladino me concedesse um desejo poderia ler ou ouvir alguém definindo o livro assim: só o é depois de o lermos, mas é!

Já teve, concerteza, feedback dos leitores; a imagem que lhe passaram do livro “encaixa” com a sua enquanto autora? O que mais a surpreende na leitura que outros fazem das suas palavras?
Não discuto o seu conteúdo. O livro já não é o livro que escrevi, é o livro que cada um lê.
Há, contudo, um ponto comum na reacção que me tem sido transmitida: o factor surpresa! Dizem-me que os contos surpreendem. A surpresa, como leitora, é um encontro desejado. É uma alegria imensa quando um livro me surpreende, uma verdadeira emoção! A surpresa faz-nos arregalar os olhos e ficar mais atentos! A resposta a esta questão poderá ser, então: o que mais me surpreende é a surpresa que o livro tem provocado, segundo me dizem, o que muito me agrada. O conto vive muito da surpresa…e por isso recebo estas reacções com satisfação.
Ainda ninguém me disse que o livro desiludiu, ou que está mal escrito, ou que é presunçoso (o pior que poderiam dizer), mas a existência apenas de opiniões benévolas não sei se é bom sinal!

Agora uma pergunta difícil (sei que o é): qual o seu conto preferido deste livro?
Sim, tem razão, a resposta a esta pergunta não é fácil. Mas, pelas razões que passo a explicar há dois contos que elegeria.
O conto “Tibério Cisco” corresponde a um parto fácil e só por isso tem um lugar especial, isto é, nasceu “perfeitinho”. Aquilo que queria escrever, a ideia e o resultado, ficaram muito próximos. Também o ritmo, o swing, deste conto é o que eu pretendia. Esta parte, no meu caso, não é fácil, a parte de dar o ritmo mais acertado, a melodia própria à ideia. E quando comecei a escrevê-lo, o que para mim seria o esboço tornou-se o trabalho final. Claro que houve ajustamentos, melhoramentos, o tal trabalho de operário de que falam alguns escritores, mas com este conto o trabalho foi pouco ou nada penoso.
Há também o conto “Coisa Nossa”. Este deu trabalho! Nasceu de uma vontade antiga (o conto já foi escrito há uns anos) de apanhar qualquer coisa que fosse espelho das estradas paralelas em que nascem homens e mulheres, que espelhasse os caminhos construídos para ligar as estradas paralelas, mas que não deixam de ser ligações intermitentes ou incompletas. A esta vontade juntou-se o pretexto, o “ter apanhado” a tal coisa que procurava há algum tempo….tenho um amigo que conta muito bem anedotas. As anedotas que escolhe são muito simples e desconcertantes. É aquele tipo de pessoa – acho que todos conhecemos alguém assim – que consegue contar a anedota mais “ordinária” de maneira a que só notemos a inteligência da piada. Uma vez ao ouvi-lo pensei neste conto, precisamente porque ao terminar a anedota, já quando todos ríamos, ele referiu cautelosamente, “se calhar esta é difícil para as meninas, é uma anedota de e para homens!”. Fez-se o conto aí. Entre o aí e o resultado foi uma construção e reconstrução. O resultado que apresento no livro agrada-me e…apaixonei-me pelas duas personagens. É uma verdadeira história de amor…
Julgo que o conto “Aqui não mora ninguém” consegue provocar a melancolia dos lugares abandonados e uma certa solidariedade para com os diferentes como se fossemos culpados ou semelhantes, e num registo quase teatral, como pretendia.
E já vão três contos. A pergunta é de resposta mesmo difícil!
No outro lado da moeda, o conto “ O bem-intencionado” corresponde a um ratinho face à montanha que era o conto fantástico que eu tinha na cabeça. Na minha cabeça era o melhor, o mais arrojado, o mais bem conseguido. Na minha cabeça tudo estava bem: a ideia, o desenvolvimento, o ritmo….No concreto, no que ficou efectivamente escrito, é uma migalha… isso é muito complicado, quando sentimos que o braço não tem a elasticidade suficiente para apanhar o melhor fruto ao cimo da árvore! EE

(e prometemos, para breve, a partilha de um dos contos destacados pela Helena; sigam-nos por aqui).

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